A Clínica de Direitos Humanos da Unifesp, juntamente com a Clínica de Acesso à Justiça da Direito FGV, o Centro de Assistência Jurídica Saracura - CAJU, o Núcleo de Gênero e Direito da Direito FGV e o Observatório da Violência Racial do CAAF/Unifesp elaboraram uma manifestação de Amicus Curiae sobre o Caso Castelinho, que será julgado pela Corte Interamericana.
O Caso trata do assassinato de 12 homens, na data de 05 de março de 2002, que estavam em um ônibus e em outros veículos na Rodovia Senador José Ermírio de Moraes, também conhecida como Castelinho, em uma operação policial que foi justificada com a alegação de que as vítimas supostamente se dirigiam para praticar um roubo a um avião pagador em Sorocaba.
A nossa manifestação de amicus curiae tem por foco o tema da responsabilidade civil do Estado e da reparação. A partir da análise da Jurisprudência da Corte Interamericana e dos processos de indenização do Caso Castelinho, chegamos à conclusão de que as respostas do Estado brasileiro no campo da reparação pelas execuções extrajudiciais do Caso Castelinho violam disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH). Verificamos também que essas mesmas violações identificadas nesses processos aparecem em uma análise mais abrangente da jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre indenização em casos de violência policial, e que não aconteceu o devido enfrentamento das questões raciais e de gênero envolvidas.
Dentre as nossas conclusões, destaca-se a violação dos artigos 8° e 25, combinados com o artigo 1.1 da CADH uma vez que a reparação dos/as familiares pelas execuções fica dependente da propositura de ações individuais de indenização, nas quais no máximo se consegue uma indenização, mas não reparação integral conforme os parâmetros interamericanos. Nesses processos, as questões de direitos humanos são tratadas como se fossem de interesse particular. Quando uma mesma violação teve várias vítimas, os processos correm separadamente, o que leva a decisões divergentes e até contraditórias. Essas ações são julgadas em varas da Fazenda Pública que não possuem especialização em casos de direitos humanos e o Estado tem várias prerrogativas nos processos.
O documento aponta ainda que falhas na investigação criminal do caso prejudicaram a obtenção de reparação apropriada na área civil. Ao contrário de contribuir para a realização do direito à verdade, os processos frequentemente estigmatizam as vítimas e produzem revitimização.
Além disso, o Judiciário impõe excessiva exigência de provas para danos materiais, o que implica em uma definição de compensação para pouquíssimos casos. Quanto aos danos imateriais, observou-se que a sua determinação muitas vezes depende da comprovação de sofrimento além de os valores usados pelo TJSP estarem cada vez menores. Ademais, ainda que haja sentenças definitivas de procedência, as famílias encontram dificuldades para efetivamente obterem a indenização.
Destaca-se também a falta de menção a parâmetros internacionais de direitos humanos nas decisões judiciais. Os processos também violam a proibição de tratamento discriminatório visto que o Judiciário brasileiro ignora marcadores de raça e gênero ao examinar as ações judiciais de indenização.
Do mesmo modo, a manifestação aponta que há violação do artigo 5° da CADH, o qual diz respeito à integridade pessoal dos familiares das vítimas, devido ao caráter extremamente violento das excecuções (700 tiros contra os veículos em que as vítimas se encontravam) e às diversas falhas presentes na investigação e nos processos movidos por familiares para obterem reparação.
Por fim, o documento destaca quais foram as omissões e falhas do Estado brasileiro no que diz respeito à reparação integral devida pelas execuções extrajudiciais praticadas por seus agentes de segurança pública.
Dessa maneira a manifestação de Amicus Curiae busca apresentar dados e análises que possam contribuir com a sentença da Corte Interamericana, na esperança de que finalmente haja garantia dos direitos à verdade, à justiça e à reparação no Caso Castelinho.
Leia aqui a manifestação:
Oficinas com familiares das vítimas da Operação Castelinho e construção coletiva de proposta para o ato de reconhecimento da responsabilidade internacional do Estado brasileiro
Em 14 de março de 2024 foi tornada pública a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH) que condenou o Estado brasileiro pelas violações de direitos humanos praticadas na Operação Castelinho e pela ausência de respostas adequadas (Caso Airton Honorato e outros vs. Brasil) (https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_507_por.pdf).
Veja cartilha informativa sobre a sentença da CorteIDH produzida pelo Projeto Reparações do CAAF/Unifesp, pelo Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo e pelo Centro de Direitos Humanos e Educação Popular – CDHEP de Campo Limpo (https://unifesp.br/reitoria/caaf/images/acervo/informativos/Cartilha_caso_castelinho.pdf)
Uma das medidas de reparação determinadas pela CorteIDH em sua sentença foi a realização pelo Estado brasileiro de um ato público de reconhecimento da sua responsabilidade internacional.
O Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em parceria com Clínica de Direitos Humanos na Unifesp, com a educadora popular do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (CDHEP) Luana Oliveira e com as pesquisadoras da FGV Direito SP Luisa Plastino e Clio Radomysler, realizou, entre o primeiro semestre de 2024 e o segundo semestre de 2025, duas oficinas presenciais e uma virtual com familiares das vítimas, para discutir o melhor formato para esse ato de reconhecimento.
Para ajudar as(os) familiares a pensar sobre os elementos que consideram importantes no ato de reconhecimento, a CDH/Unifesp, junto com as mesmas parcerias, desenvolveu pesquisa sobre atos de reconhecimento por violações de direitos humanos realizados no Brasil e em outros países. Foram levantados e analisados registros de 20 atos de reconhecimento, observando: a) Local; b) Data; c) Presença de Autoridades Estatais; d) Participação de familiares; e) Discurso de reconhecimento da responsabilidade internacional e pedido de desculpas; f) Homenagens Fotográficas e Culturais e g) Comunicação, Participação da mídia e Produção audiovisual. A partir da apresentação dos resultados dessa pesquisa as(os) familiares das vítimas da Operação Castelinho construíram o que consideram ser mais importante no ato que deve ser realizado pelo Estado brasileiro.
Foto da capa: PLOYPLOY - RawPixel