MANIFESTAÇÃO DE AMICUS CURIAE SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO SOBRE O DIREITO IMPRESCRITÍVEL À REPARAÇÃO NO CASO MERLINO

A Clínica de Direitos Humanos da Unifesp, em parceria com a Comissão Arns, a Conectas Direitos Humanos, o Instituto Vladimir Herzog e o Núcleo de Acesso à Justiça e Meios de Solução de Conflitos da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas ingressou com pedido de amicus curiae nos autos do Recurso Especial n. 2054390/SP, em curso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em que são recorrentes Angela Maria Mendes de Almeida e Regina Meria Merlino do Almeida, familiares de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto em decorrência de tortura sob o comando do coronel do Exército e chefe do DOI-CODI Carlos Alberto Brilhante Ustra em 1971. 

 

Nessa ação judicial, as familiares de Merlino buscam o reconhecimento da responsabilidade de Ustra e reparação. O STJ, ao analisar processos contra o Estado, firmou e sumulou o entendimento de que as ações civis de reparação por violações graves de direitos humanos são imprescritíveis, ou seja, não há prazo limite para o seu ajuizamento. Além disso, no caso da ação declaratória movida pela família Almeida Teles, o STJ confirmou decisão que reconheceu a responsabilidade de Ustra por tortura. No entanto, no processo da família Merlino, em 29 de novembro de 2023, decisão por maioria da Quarta Turma desse tribunal decidiu contrariamente à demanda. Em face dessa decisão, os advogados da família opuseram embargos de declaração, em que apontam falhas no julgamento e pedem sua modificação.

 

O pedido das entidades de direitos humanos e grupos das universidades traz resultados de estudos para contribuir com a análise do tribunal no julgamento desses embargos de declaração. Esses estudos estão concentrados em três pontos, que demonstram os problemas na decisão que favoreceu a família de Brilhante Ustra.

 

Em primeiro lugar, a manifestação de amicus curiae expõe que as ações de reparação por violações graves de direitos humanos são imprescritíveis, de acordo com o direito internacional dos direitos humanos, conforme levantamento de documentos internacionais e, especificamente, da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a matéria. O próprio STJ, como já mencionado, tem súmula reconhecendo a imprescritibilidade, e não há justificativa para se deixar de aplicar o mesmo entendimento nos casos de ações movidas contra os agentes da repressão.


Em segundo lugar, neste mesmo caso o Supremo Tribunal Federal decidiu, contrariamente ao entendimento que prevaleceu no julgamento da Quarta Turma do STJ, que sua interpretação sobre a Lei de Anistia dada na ADPF 153 não impede a demanda da família de Luiz Eduardo Merlino.

 

Por fim, ao contrário do que afirmou o entendimento vencedor no julgamento do STJ, a decisão do Supremo Tribunal Federal em repercussão geral, segundo a qual as ações de reparação por danos provocados por agentes de Estado devem ser movidas contra o Estado, cabendo a esse acionar o agente público em regresso, diz respeito a situações ordinárias da atuação da Administração Pública e não a casos de violações graves de direitos humanos, conforme pesquisa desenvolvida pela CDH Unifesp na jurisprudência do STF. O STF não teve vista ações judiciais pela prática de tortura, pois tortura em nenhuma hipótese faz parte de função administrativa a ser protegida, e não se pode imaginar qualquer situação em que seja justificado o objetivo de resguardar agente público de medidas de responsabilização pela prática de tortura ou outra prática que viole gravemente direitos humanos.

Leia aqui a manifestação:

Manifestação amicus STJ Merlino.vf.pdf

Leia aqui o relatório de pesquisa:

RELATÓRIO DE PESQUISA.pdf